Publicado: 21 de Novembro de 2013 em:

Intensidade Ou Insanidade! – Parte 2

Quando Michalik treinava, as chamas do inferno ardiam em seus olhos. O homem era um animal. Eu vivi cada despertar antecipando os treinamentos de esfolar o rabo que viriam ao longo do dia, desejando saber como inferno eu poderia superá-los. Eu vivia uma citação de Friedrich Nietzsche: “O que não me mata apenas me torna mais forte”.
Sobrevivendo Aos Treinamentos

A chave era entender o modo como sobreviver e até mesmo como prosperar e crescer nestes treinamentos. De início não era fácil, mas eu estava determinado a não desistir. Eu queria vencer o U.S.A. e conquistar uma página no livro dos recordes. O que me importava não era estar em forma. Eu queria é ser o melhor. Se você quer ser um campeão você tem que fazer sacrifícios. Michalik não era apenas um campeão, ele era o Vince Lombardi do bodybuilding. Vencer a qualquer preço. Vencer significava tudo. Ele sempre dizia: 

 

“Treine além da dor… e a morte será sua única recompensa!”

Era um dia quente e ensolarado do verão de 1979 e nós há pouco havíamos concluído um brutal treinamento de perna de 55 séries. Sim, é isso mesmo, 55 séries. Hoje em dia isso pode soar idiota e você poderia pensar que era overtraining, mas aos 20 anos de idade, eu exibia coxas de 72 cm rasgadas até os ossos. Coxas grandes, espessas, musculosas numa época em que Bill Phillips provavelmente nem mesmo conseguia pronunciar a palavra “creatina” e muito antes que eu tivesse ouvido pela primeira vez o termo “hormônio do crescimento”. É de fazer pensar a respeito de treinar duro na atual era do IGF-1, insulina e hormônio do crescimento.
 
De qualquer modo, o monstruoso Steve Michalik me convidou para pegar alguns raios na praia em preparação para o U.S.A. que estava por vir. A caminho da praia eu continuei perguntando para Michalik o que seria necessário para mim para vencer o U.S.A. . O que eu teria que fazer e quais sacrifícios teriam que ser feitos além daqueles que eu já estava fazendo?
 
Steve estava quieto.
 
Ele simplesmente continuava olhando através do para-brisa, mas recusava-se murmurar qualquer palavra. Pouco tempo depois nós chegamos a Jones Beach, colocamos nossas toalhas na areia, e nos dirigimos para a água. Quando nós estávamos longe o bastante para a água cobrir minha cabeça, o Steve me agarrou e agressivamente me empurrou para baixo da rebentação. Eu consegui emergir por um momento. Eu engasguei, tossi, e fui empurrado novamente para baixo.
 
Michalik me permitiria surgir para um breve fôlego, e então procedia me empurrando novamente e novamente para baixo. Eu chutava e lutava freneticamente até que finalmente eu fiquei fraco e com o corpo mole. Michalik me arrastou da água e me lançou na praia. Conforme eu cuspia água e tentava recobrar a respiração, ele começou a gritar como um louco. “Me diga o que você sentia ao tomar um fôlego… quão ferozmente você desejava cada pequeno sopro de ar?! Quando você desejar vencer tão ferozmente quanto você desejava cada fôlego de ar, então volte para me ver. Isso é o que levará você a ser o melhor!”
 
Aquele dia marcou um hiato que durou pelos próximos três anos: Michalik como o mentor exigente, e eu como o saco de pancada dependurado. Dia após dia e semana após semana eu comecei a crescer maior e melhor. Os treinamentos eram inacreditáveis. Michalik me ensinou mais do que a dureza dos treinamentos; ele instilou em mim um desejo de vencer que era quase sobrenatural.
Vivendo nos anos 70
Eu vivia para treinar. Comia, dormia e eu trabalhava o bastante para dispor de todos os luxos da vida que consistiam em um Chevy Vega 1972 sem para-choque dianteiro, um estoque infinito de frango, uma kitinete num porão com um colchão no chão, e um armário cheio de vitaminas. Mas agora olhando para trás, eu percebo perfeitamente o significado da frase, “mais feliz que um porco na merda”. Meu estilo de vida teria sido de miséria para a maioria, mas para mim, eu estava no topo do mundo. Eu estava fazendo o que eu queria fazer e eu estava subindo muito e rapidamente para minha meta.
 
Não importava se eu estivesse despertando às 5:00 da manhã para comer claras de ovos ovo de forma que eu pudesse estar no ginásio às 6:30, e não importava que eu fosse arrastado através da última metade do treinamento como o gladiador na cena das bigas do ” Ben Hur “. O que importava era o fato que eu estava treinando com o Mr. América e que embora ele estivesse fisicamente e mentalmente arrancando a merda viva de dentro de mim dia após dia, eu estava melhorando dramaticamente.
 
Meus bíceps de 45 cm estavam agora com bem mais de 50 cm e seus picos estavam ficando mais altos a cada hora. Halteres que uma vez eu tinha usado para pesados desenvolvimentos inclinados eram agora meus pesos de aquecimento para exercícios como roscas com halteres e elevações laterais. O treinamento “Intensidade ou Insanidade” era uma rotina, igual ao café da manhã. Toda vez que alguém nos dizia que nós não poderíamos fazer algo, isso nos inspirava a tentar isto de qualquer maneira. 50 pesadas séries de rosca direta?
 
Bem ali… 30 séries de agachamentos… 225 kg de supino inclinado… Roscas com halteres de 45 kg… Elevações laterais com halteres de 40 kg… Treinamentos de dorsais de 60 séries. Nossas vidas poderiam ter sido caracterizadas pela famosa citação feita por Walter Gagehot, “Um grande prazer na vida está em fazer o que as outras pessoas dizem que você não pode fazer”.

Foi mais ou menos nessa época que meus pais perceberam que eu estava possuído por Michalik. Eles o desprezavam por ter me transformado em uma máquina viva de comer, respirar e treinar. Eles tentaram me manter distante, mas já era muito tarde. Tão logo eu percebi que estas longas e árduas sessões de treinamento eram a chave para o meu progresso, não havia nada na Terra que poderia ter me mantido longe do ginásio.
 
Ah, o ginásio. O ginásio de Michalik. Nada de aulas de aeróbica. Nenhum equipamento cárdio. Nenhuma sauna, ou piscina. Nada de quadras de squash! Apenas as enormes e pesadas máquinas de aço negro, e os bancos com estofamento vermelho para fazer-nos lembrar das antigas câmaras de tortura. Quando você viesse ao Mr. América´s Gym para treinar, havia só um modo, uma só velocidade: muito árduo e muito rapidamente.
O Ginásio
A fachada e a calçada diante da porta da frente eram escovadas várias vezes por dia para lavar cafés da manhã perdidos e os almoços jogados fora. Este lugar era a Mecca do Fisiculturismo Hardcore, um santuário para torcer os intestinos e treinamentos de estourar as bolas. Nenhuma fita de exercícios do Tony Little era encontrada nestas premissas. Se você não treinasse duro, a porta de saída seria mostrada para você, ou eu deveria dizer, você seria lançado para fora através da porta dos fundos. Medalhas eram conquistadas por quantos treinamentos brutais você poderia suportar e você só era tão “durão” quanto seu último treinamento. Você não era respeitado tanto por como você parecia, mas por quão duro você pudesse treinar.
 
Steve não tolerava nenhuma vacilada. Um dia um sujeito com E.D.E. (Expansão Dorsal Exagerada) entrou para um treinamento e Steve o parou e lhe falou que ele estava com três meses de atraso na mensalidade. O sujeito disse, “Pódi crê! que seja… Eu trago o dinheiro da próxima vez,” e então começou a treinar. O Steve vasculhou no fundo da gaveta de sua escrivaninha, tirou um martelo, e caminhou em direção à porta da frente.
 
Rapaz… ! – pensei eu. Essa vai ser boa… ! Eu tenho que ver isso…
 
Conforme eu caminhava até a porta de entrada do ginásio, eu vi o Steve caminhar para cima do Corvete do sujeito e detonar com seus faróis. Ao mesmo tempo em que o sujeito vinha saindo do ginásio, Steve começou a golpear as janelas do lado do passageiro. O sujeito estava gritando freneticamente, “Pare! Alguém chame a polícia. Que inferno você está fazendo com o meu carro?” o Steve simplesmente o olhou sem cerimônia e disse: “Está tudo certo agora. Nós estamos quites. Você já pode ir treinar “.
Conforme eu olho para trás, eu percebo que eu estava vivendo em um ambiente muito corrupto. Minhas atitudes e minha moral estavam distorcidas por causa das filosofias de Steve. Comprar 15 kg de frango para suprir minhas necessidades de proteína era mais importante do que pagar o aluguel do apartamento.
Era muito mais importante estar na hora certa para o treinamento do que estar na hora certa para o trabalho. Se alguém treinasse conosco e acabasse no hospital (o que foi o caso em várias ocasiões), nós sequer apareceríamos para uma visita, e ao invés, nós o desdenharíamos como alguém mentalmente e fisicamente fraco.
 
Conforme eu me sento aqui e penso sobre o passado, eu tenho algo a acrescentar àquela citação de Friedrich Nietzsche “O que não o mata apenas o torna mais forte”. E mais ainda, se o matar, então você não deveria nem mesmo ter começado a treinar conosco.

 

 
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Gabriel Ortiz

Gabriel Ortiz, fisiculturista natural lifetime, ou seja, nunca utilizou esteróides anabolizantes ou doping pela WADA. Compete no Brasil e Estados Unidos. Formado em Educação Física, atua como treinador em Brasília, já preparou e prepara vários atletas, inclusive premiados com o título 'Pro Card' pela ANBF em Dez/16 nos Estados Unidos e musa 'Diva Fitness' em 2017 pela WBFF. Redator e colunista desde 2006, cunhou o termo "Preconceito Muscular".

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